ENSINO

De Lisboa a Massachusetts no ensino e na investigação



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MIGUEL SALES DIAS

Professor  Iscte-Sintra

Investigador ISTAR-Iscte



Parceria com universidade norte-americana promove a inovação no plano do ensino-aprendizagem e da investigação em áreas científicas de interesse mútuo.




Qual é o objetivo principal do projeto Atlantic Crossing, financiado pela FLAD (Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento)?

O projeto Atlantic Crossing – Crossing the Atlantic for Scientific and Teaching--Learning Cooperation visa fortalecer os laços científicos e pedagógicos entre a Bridgewater State University (BSU), uma das principais Universidades públicas do estado de Massachusetts, e o Iscte, em particular a Escola de Tecnologias Digitais Aplicadas, Iscte-Sintra, mas abrindo o leque a todas as outras Escolas do Iscte.

Para atingir esse objetivo, explorámos várias vertentes: a partilha de metodologias pedagógicas, o intercâmbio de práticas e a realização de aulas híbridas (presenciais e online). Por exemplo, uma aula lecionada em Portugal pode contar simultaneamente com a participação remota de estudantes e professores da BSU e vice-versa.

Além disso, organizamos debates mensais sobre temas que se enquadram nas áreas do Iscte-Sintra, relevantes para os estudantes e os curricula. Já realizámos quatro debates, abordando tópicos como a Inteligência Artificial (IA) generativa no ensino-aprendizagem, a estratégia e regulamentação europeia para a Cibersegurança e IA, os desafios da desinformação impulsionada pela IA e as novas tendências do raciocínio nos modelos de IA generativa.

No entanto, procuramos alargar o âmbito dos debates, expandindo as discussões a áreas como Comunicação de Ciência, em parceria com a Escola de Sociologia e Políticas Públicas. Na área da Gestão, estamos interessados na Inovação em Gestão, Empreendedorismo e Marketing Digital.

 


Exploramos várias vertentes: a partilha de metodologias pedagógicas, o intercâmbio de práticas e a realização de aulas híbridas (presenciais e online)



O que justifica a escolha da Bridgewater State University como parceira nesta cooperação?

A Bridgewater State University é uma Universidade muito semelhante ao Iscte, não só em dimensão – tem cerca de 11 mil estudantes e o Iscte tem 15 mil –, mas também na estrutura do corpo docente. Ambas as instituições contam com aproximadamente 300 professores de carreira. No entanto, em termos de apoio académico, o campus da BSU é significativamente maior, com cerca de 1200 colaboradores, comparados com os 300 do Iscte. A BSU dispõe ainda de um serviço de transportes e até de polícia própria no campus.

As áreas científicas da Bridgewater State University também são bastante próximas às do Iscte, incluindo ciências sociais e humanas, educação, comunicação, gestão, ciência da computação, tecnologias, cibersegurança e saúde pública. A única exceção é a arquitetura, que o Iscte oferece e a BSU não.

 

Como surgiu esta parceria?

A colaboração começou no início de 2024. Em março, o presidente da Bridgewater State University, Frederick W. Clark Jr., esteve em Portugal, acompanhado por diretores das Escolas. Visitou várias Universidades em Lisboa com o apoio da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento  e da Fundação Fulbright. Dessa missão, resultou uma parceria privilegiada com o Iscte.

O presidente da BSU tem uma estratégia de estreitar laços com Portugal, devido à forte presença de lusodescendentes e cabo-verdianos na região de Massachusetts. Após essa visita, fui até à BSU em junho, e daí surgiu a proposta de colaboração, elaborada juntamente com a professora Hannarae Lee do Departamento de Justiça Criminal. A proposta submetida à FLAD foi aprovada e o projeto arrancou em outubro de 2024.

 

De que forma é que a cooperação com a Bridgewater State University contribui para concretizar os objetivos do projeto?

Temos trabalhado para a criação de Duplos Graus. Já identificámos uma primeira oportunidade nessa área, relacionada com o novo Mestrado em Cibersegurança do Iscte-Sintra, que terá início em setembro de 2025. Curiosamente, a Bridgewater State University lançou um Mestrado semelhante em setembro passado, o que nos permite desenvolver uma ligação direta entre os dois programas.

Outro ponto importante é a introdução do conceito de “investigação de Licenciatura”. Nos EUA, a investigação ao nível da Licenciatura já está consolidada há anos, permitindo que os estudantes desenvolvam projetos de investigação supervisionados por professores, culminando na apresentação dos seus trabalhos em simpósios.


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Na BSU, esses simpósios ocorrem anualmente. Um deles, designado STARS, é um evento presencial onde estudantes apresentam trabalhos de investigação desenvolvidos autonomamente, sem coautoria de professores, que apenas os orientam.

Esta iniciativa pareceu-me muito interessante. Há muito que defendo esse tipo de abordagem nas Universidades portuguesas. Inspirados pela BSU, eu e a professora Marta Entradas decidimos criar o 1.º Simpósio de Investigação de Licenciatura do Iscte (SIL-Iscte 2025), previsto para outubro de 2025. Todas as Escolas do Iscte estão representadas no Comité de Programa e os trabalhos submetidos serão revistos por professores das várias áreas, sem um processo formal de revisão por pares.

 

Além de debates, que outras atividades fazem parte do projeto?

Os debates mensais realizam-se às 17h em Portugal e às 12h em Massachusetts, sendo abertos a toda a comunidade académica. Além disso, promovemos as Collaborative Online International Learning (COIL), aulas remotas e em tempo real que permitem a interação entre os estudantes das duas Universidades.

O projeto também inclui visitas presenciais. Em janeiro, recebemos uma delegação da BSU no Iscte (Lisboa e Sintra). Em junho, será a nossa vez de visitar a BSU para apresentar os primeiros resultados dos projetos colaborativos e discutir novas oportunidades, como o desenvolvimento de programas de Duplo Grau. Irão comigo colegas das áreas de Gestão, Sociologia e Tecnologia.

Em parceria com a BSU, organizámos um workshop no Iscte-Conhecimento e Inovação sobre os primeiros resultados de projetos de investigação sob o tema Crossing the Atlantic for Scientific and Teaching-Learning Cooperation. Contámos com sete apresentações – três da BSU, três do Iscte e uma do vice-presidente da FLAD, o Dr. Nuno Pinheiro. A visita foi conduzida pelo Diretor Gregory de Melo. Esteve presente a Diretora Martina B. Arndt, da Escola correspondente à nossa Escola de Tecnologias e Arquitetura, e os professores Enping Li, Cory Yeo e Hannarae Lee que também participaram no workshop.

Um dos projetos conjuntos mais inovador é o desenvolvimento do primeiro modelo extenso de linguagem para crioulo de Cabo Verde, com capacidades de geração de texto e tradução para português europeu e inglês. Este projeto envolve também a Universidade de Cabo Verde e já apresenta avanços significativos, com os primeiros resultados divulgados no simpósio. Foram apresentadas comunicações nas áreas da Cibersegurança e Cuidados de Saúde, Ciência Forense e implicações da AI Act nos EUA.

 


O desenvolvimento do primeiro modelo de linguagem para geração de texto e tradução de crioulo de Cabo Verde para português e inglês é um dos projetos conjuntos mais inovador


 

Quais são os desafios para o reconhecimento do Duplo Grau?

Para a BSU, a implementação de um Duplo Grau é relativamente simples. Vamos começar com o Mestrado em Cibersegurança. Estamos atualmente a analisar os currículos, através da identificação das unidades curriculares necessárias para os estudantes de ambas as Universidades. O objetivo é criar um processo fluido e acessível.

A grande vantagem do Duplo Grau é que um estudante pode ingressar no programa do Iscte, passar um período na BSU e obter um diploma conjunto, e vice-versa. Para isso, estamos a preparar unidades curriculares lecionadas em inglês, embora muitos estudantes da BSU também tenham interesse em formação em português, dada a forte comunidade lusófona na região. Massachusetts conta com cerca de 200 mil lusodescendentes e 30 mil descendentes ou naturais de Cabo Verde. A presença da língua portuguesa é bastante evidente no campus da BSU. O próprio professor Emérito Dana Mohler-Faria, ex-presidente da BSU, é de origem cabo-verdiana.

Este projeto reforça laços culturais e académicos, criando oportunidades para estudantes e investigadores de ambas as instituições.

 

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Instalações Iscte-Sintra
Escola de Tecnologias Digitais Aplicadas