TRABALHO

O trabalho como projeto



Filipe Reis 1

FILIPE REIS

Professor  Iscte Ciências Sociais e Humanas

Investigador CRIA Polo Iscte | Centro em Rede de Investigação em Antropologia



Esta investigação pretende dar uma nova visão sobre os modelos de organização e das relações de trabalho com base nos avanços na análise das redes de projetos.



O PROWORK estuda uma nova forma de gestão e organização do trabalho?

No PROWORK estudamos o fenómeno do trabalho como projeto e os impactos que esta estrutura temporária de organização do trabalho tem, não só nas relações de trabalho e nos desempenhos laborais, mas também nas formas de coordenação, no uso de determinadas tecnologias e plataformas que ajudam a realizar o trabalho, entre vários outros eixos de análise.

Em algumas áreas de atividade, como a arquitetura ou as artes, esta forma de organização do trabalho como projeto ou por projeto, a que designamos por projetificação do trabalho, tem já uma longa tradição. Em outras áreas, tem progressivamente vindo a ganhar terreno, ao ponto de já a encontrarmos nas organizações com quadro de pessoal. As consultoras trabalham frequentemente por projeto e enviam os seus quadros a outras empresas para executarem determinada tarefa. Há também projetos que são desenvolvidos por freelancers e pessoas que vivem precisamente desses trabalhos que são, por definição, temporários.

 

De que forma esta modalidade transforma as formas mais clássicas de organizar o trabalho?

Mais do que o espaço ou o tempo, nestas modalidades de organização do trabalho é a própria atividade que comanda o trabalho. Ou seja, é o conjunto de tarefas que lhes estão associadas e o cumprimento de determinados objetivos que define o trabalho que vai ser realizado. Neste cenário, as pessoas beneficiam de uma grande flexibilidade, nomeadamente na gestão do horário de trabalho.

 

Como é feita a análise desses modos de trabalho no estudo PROWORK?

A noção de projeto é a unidade de análise do PROWORK, não a organização, a empresa, a instituição de solidariedade social ou a estrutura artística. Identificámos quatro setores de atividade: consultoria e gestão, investigação e desenvolvimento, que inclui a transferência de conhecimento entre Universidades e empresas, a criação artística, e a economia social e solidária – o chamado terceiro setor. Selecionámos para análise um projeto em cada organização e realizámos dois estudos de caso por setor.

 

O que esteve na base da identificação desses setores?

No PROWORK mobilizamos vários conceitos como, por exemplo, o conceito de redes sociotécnicas. Os projetos que estamos a estudar funcionam em rede: alguém leva o projeto à frente, mas há depois um conjunto de parceiros que o levam a cabo. Nos projetos de investigação e desenvolvimento que unem a academia e o tecido económico assistimos, tal como no Iscte, a imensos projetos que funcionam assim.

Trabalhamos também com uma noção vinda da antropologia, a chamada etnografia multissituada, que é relevante para o trabalho empírico que estamos a desenvolver. Ao observarmos um dos pontos da rede, temos necessariamente de perceber de que forma o trabalho ali realizado tem conexões com os outros parceiros. Por isso, do ponto de vista analítico é importante mapearmos e rastrearmos essas redes.

 

A inovação deste projeto é trazer uma perspetiva diferente à análise do trabalho?

Creio que sim. Há muito trabalho realizado sobre modelos de gestão do trabalho, formas de organização do trabalho e relações laborais. Esta conceptualização da noção de projeto só surge na literatura especializada nos anos 1990, mas há ainda pouco trabalho consistente sobre as formas de trabalho projetificado. Provavelmente, essa época corresponde à adoção, em muitos setores da atividade económica, de modelos de funcionamento e de gestão das empresas que rompem com uma lógica taylorista de organização vertical do trabalho. Isso teve, inclusivamente, consequências em termos de espaço, outros dos eixos de análise do PROWORK. O trabalho por projeto tem consequências na forma como os espaços dentro das empresas se organizam, em open space, por exemplo, e como influenciam a própria estrutura hierárquica, os modelos de gestão e até as formas de coordenação e os mecanismos de controlo do trabalho.

Hoje assistimos a formas de hiperflexibilização das relações de trabalho, que desregulam completamente qualquer proteção social. A chamada uberização dos trabalhadores por plataforma flexibiliza relações laborais ao extremo e torna precária a relação do profissional com o empregador, o que traz desafios ao nível da regulação do trabalho. Este tipo de flexibilização já se verifica em setores mais tradicionais, como o setor industrial.

 

A flexibilização influencia a forma como as ciências sociais olham para o mundo do trabalho. Assistimos a uma mudança de paradigma?

Estas novas configurações que ocorrem nas sociedades capitalistas estão a alterar de forma muito profunda a divisão do trabalho e a estruturação e organização das relações de trabalho.

O trabalho projetificado caracteriza-se pelo facto de a atividade se tornar o princípio e o fim do próprio trabalho. O tempo e o espaço ficam diluídos. Há prazos intermédios e há objetivos a cumprir. Isso impacta também na conciliação da vida pessoal e profissional, e na saúde em geral, eixos de análise do PROWORK. Outro eixo de análise tem a ver com os mecanismos de financiamento: interessa-nos perceber como é que estas organizações se financiam e financiam os projetos que desenvolvem.

 


O trabalho como projeto ou projetificado caracteriza-se pelo facto de a atividade se tornar o princípio e o fim do próprio trabalho


 

Qual foi a metodologia que adotaram?

O PROWORK assenta num robusto desenho metodológico com instrumentos estabilizados, como guiões de entrevista diferenciados por setor e interlocutores, observação participante e recolha documental.

Uma característica dos projetos coordenados pela professora Luísa Veloso em que tenho participado é esta visão compreensiva e abrangente da forma como devemos fazer ciência social. É também bastante aberta à ideia do estudo de caso, o que implica a aplicação de metodologias frequentes nas ciências sociais, como a entrevista, mas também o que nós, na antropologia, chamamos de trabalho de campo, através do envolvimento, observação e participação junto das pessoas.

Neste projeto, não utilizamos instrumentos de recolha de dados de caráter mais extensivo, como o inquérito, mas sim ferramentas de pesquisa de natureza mais colaborativa, como dizemos na antropologia, métodos de elicitação. São instrumentos através dos quais pedimos a colaboração dos interlocutores, como, por exemplo, fotografar o seu lugar de trabalho ou fazer um diagrama de como o profissional vê a organização em que se insere. Este tipo de métodos de natureza mais projetiva, mais colaborativa, permite-nos depois – cruzando com as entrevistas e os diários de campo – uma análise mais densificada daqueles contextos e dos profissionais que neles operam.

No âmbito deste projeto, coordenei um workshop para os membros da equipa, também aberto a estudantes de Mestrado e Doutoramento, sobre como fazer etnografia em contextos organizacionais. Para os estudos de caso, formaram-se duplas de investigadores para cada um dos setores de atividade, que estão em fase de conclusão do trabalho de campo.

 

Que resultados esperam ter no final?

Há membros da equipa que já submeteram os primeiros resultados em abstracts para conferências ou congressos. A expectativa é que depois haja papers que venham a resultar em publicação. O projeto terá o seu término em março de 2026 e será realizada uma conferência para apresentação dos resultados do PROWORK. Em termos de resultados planeia-se fazer um livro com todos os estudos de caso, que dê uma visão de conjunto de todo o projeto.

Do ponto de vista da comunicação de ciência, há um conjunto de resultados que estamos a preparar, que incluem entrevistas filmadas às coordenadoras do PROWORK, aos membros da equipa e aos consultores. Serão também realizados quatro documentários curtos, sobre cada um dos estudos de caso, os quais, agregados, darão uma média metragem que contará em linguagem audiovisual os resultados do projeto.



A equipa do PROWORK

O projeto mobiliza o CIES-Iscte, o CRIA e o CIUHCT-NOVA. Funciona em cocoordenação entre Luísa Veloso, do CIES-Iscte, e Paula Urze, da NOVA FCT.
A equipa é composta por Alexandre Silva, do Instituto Politécnico de Setúbal, Patrícia Santos, Telmo Clamote e Joana Marques do CIES-Iscte, João Lopes  do CIUHCT-NOVA, a Clara Pelote e eu próprio (CRIA).

Tem também três consultores: Arvi Kuura, da Universidade de Tartu, na Estónia, especialista em gestão de projetos, processos e produtos; Georgios Eftaxiopoulos, da Universidade de Berkeley, especialista em espaços e flexibilidade na arquitetura; e Peter Oeij, investigador e consultor na Netherlands Organisation for Applied Scientific Research.


 

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