Investigadora CIES-Iscte
Professora Iscte Tecnologias e Arquitetura
Investigadora Dinâmia’CET-Iscte
Que soluções inovadoras propõe o projeto Climate Change, Cities, Communities and Equity in Health?
Teresa Madeira da Silva (TMS) Aliar a saúde urbana ao desenho urbano e sensibilizar os estudantes para a redução da pegada ecológica é uma das principais preocupações do Cli-CC.HE. Como é que no planeamento das cidades podemos contribuir para a saúde das pessoas? Para fomentar o debate em torno desta questão, desenvolvemos um conjunto alargado de atividades e um evento no Iscte com os estudantes do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Escola de Tecnologias e Arquitetura.
Rita Cachado (RC) O projeto visava desenvolver formação focada na adaptação às alterações climáticas, articulando-a com a questão da saúde das populações urbanas. Financiada pelo programa Erasmus+, esta formação foi dirigida sobretudo a estudantes da área do planeamento urbano, com o objetivo de qualificar a intervenção em espaços e territórios, promovendo cidades e equipamentos adaptados aos desafios atuais.
A UNICAM – Università Camerino (Itália) foi a coordenadora principal do projeto Cli-CC.HE, envolvendo, além do Iscte, o Instituto do Chipre (CyI), a Universidade de Belgrado (Sérvia) e o Consiglio Nazionale delle Ricerche (Itália) centrado na vertente da saúde.
O projeto focou-se nas oportunidades do e-learning, sendo que os resultados estão acessíveis a professores universitários que pretendam desenvolver, por exemplo, uma unidade curricular, mas também a qualquer pessoa no âmbito de ações de formação.
Como foi explorada a relação entre saúde e planeamento urbano?
TMS Temos vários exemplos: por um lado, uma rua que não tenha árvores atinge temperaturas muito superiores a ruas arborizadas; por outro lado, a existência de árvores que provocam alergias na primavera pode ter consequências negativas na saúde dos habitantes. É importante perceber se, em certas zonas da cidade, deve ser colocada determinada vegetação. Para além disso, a existência de praças, parques ou jardins pode ter um contributo positivo na saúde pública, contrariamente ao ruído dos automóveis ou dos aviões, como se verifica em Lisboa. Este é outro exemplo da relação entre saúde e planeamento urbano.
A formação de Arquitetos já prevê esta abordagem?
TMS Nas aulas do Mestrado Integrado em Arquitetura do Iscte alertamos para a ligação entre o urbano e a natureza. Já realizámos trabalhos na Tapada das Necessidades e nos jardins da Fundação Calouste Gulbenkian, que são bons exemplos desta integração.
Tentamos mostrar como os edifícios construídos nas cidades podem dialogar de forma positiva com a natureza e proporcionar melhor qualidade de vida às pessoas que as habitam. Esta ideia coaduna-se com o objetivo central do projeto Cli-CC.HE: sensibilizar os estudantes para a ligação entre saúde e desenho urbanos.
O diálogo entre natureza e construções tem constituído uma preocupação do planeamento urbano?
TMS Em Lisboa temos bons exemplos disso. Os arquitetos paisagistas que projetaram a Praça de Espanha realizaram um trabalho exemplar que incluiu a construção de tanques de retenção de água no subsolo. Como consequência, a praça deixou de ter inundações. A água não é para deitar fora!
Outro exemplo são os jardins da Fundação Calouste Gulbenkian, um importante estudo de caso: os parques de estacionamento no subsolo conseguem coexistir harmoniosamente com a vegetação.
Várias intervenções na zona ribeirinha realizadas depois da Expo’98 também tiveram em consideração as questões climáticas, projetando lugares para a realização de atividades físicas, sombras, etc.
Em Lisboa, tem havido iniciativas que articulam planeamento e alterações climáticas, como o programa “Uma Praça em cada Bairro”, o plano de acessibilidade pedonal, o documento “Estratégia Municipal de Adaptação às Alterações Climáticas de Lisboa” (2017), ou o Plano de Ação Climática Lisboa 2030 (redigido em 2021).
Quais foram os domínios de atuação do CIES-Iscte e do Dinâmia’CET-Iscte no projeto Cli-CC.HE?
RC Participámos na revisão de artigos científicos sobre alterações climáticas nas cidades, saúde, entre outras áreas. A sistematização desse levantamento esteve a cargo da equipa do Chipre.
Desse trabalho, sobressaiu a questão das “ilhas de calor” e as soluções que a Arquitetura e a Engenharia Ambiental vão considerando para atenuar o problema.
No desenvolvimento da metodologia de investigação, estruturaram-se sete áreas que correspondem, em sentido lato, aos objetivos de uma unidade curricular. Essa foi uma tarefa do coordenador principal do projeto, a UNICAM, com a colaboração dos restantes parceiros. Em cada Universidade, cerca de vinte estudantes participaram em workshops locais, com atividades desenhadas para perceber como se poderia melhorar cada objetivo e cada unidade desta abordagem metodológica.
No Iscte, realizámos um workshop em que nos focámos na metodologia qualitativa participativa com a população. Convidámos ainda os estudantes a realizar exercícios de arte urbana como forma de divulgar o projeto. Esse trabalho foi coordenado pelos investigadores Zoran Dukanovic, de Belgrado, e Ioanna Kyprianou, do Chipre.
No caso da cidade de Lisboa, trouxemos para o projeto os moradores da freguesia de Alvalade, um território que pretendíamos melhorar através do planeamento urbano aliado à saúde pública e à integração com a natureza.
Estava também previsto que os parceiros desenvolvessem um conjunto de ferramentas agregadas num toolkit, para o qual foi muito importante a colaboração da investigadora Caterina Di Giovanni (Instituto de Ciências Sociais – Universidade de Lisboa). Doze dessas ferramentas metodológicas foram desenvolvidas em e-learning e estão agora disponíveis no site clicche.org/results em acesso aberto.
Quais foram os principais stakeholders do projeto? Qual a relação estabelecida com as autarquias?
RC Começámos do zero, portanto, todos os stakeholders foram cooptados. Não tínhamos relação direta com a Câmara Municipal de Lisboa. Então, contactámos a Biblioteca dos Coruchéus, situada no Bairro de São João de Brito, na freguesia de Alvalade.
Falámos também com a Associação de Moradores do bairro, que acolheu ativamente as nossas atividades. Tivemos connosco, desde o início, o AtelierMOB no âmbito da participação urbana, e a Associação Zero, que funcionou como observador das atividades. Um outro parceiro foi o Laboratório Nacional de Engenharia Civil, através da Marluci Menezes.
Conseguimos reunir todas estas pessoas em apenas três meses, e foram elas, juntamente com os estudantes, que implementaram a metodologia qualitativa. Este é um domínio em que as outras Universidades não tinham as mesmas competências que nós, no CIES-Iscte. Por exemplo, dominamos técnicas como a elaboração de guiões de entrevista, a utilização de diários de campo e a recolha fotográfica junto das pessoas.
O projeto distinguiu-se pelos eventos realizados. De que forma estas iniciativas contribuíram para a prossecução dos objetivos?
TMS O Forever Communities destaca-se como um evento multiplicador, realizado em Lisboa, que incluiu estudantes do Doutoramento em Arquitetura dos Territórios Metropolitanos Contemporâneos e do Mestrado Integrado em Arquitetura (MIA), bem como professores e investigadores do Iscte.
Tivemos palestras no Iscte com professores e investigadores: Pedro Pinho, investigador da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, e dois docentes de Desenho do Departamento de Arquitetura e Urbanismo do Iscte, a professora Teresa Rodeia e o professor Paulo Goinhas.
Contámos também com a participação do biólogo Ivo Meco, que organizou um passeio guiado entre o Iscte e a Biblioteca dos Coruchéus, no qual os estudantes tiveram a oportunidade de observar e compreender a relação da vegetação com o ambiente urbano e construído. Ivo Meco explicou as qualidades das árvores pelas quais passamos todos os dias, praticamente sem darmos conta das suas características e qualidades. Alertou-nos também para o tipo de terreno onde se constrói e para o facto de, por vezes, as estruturas construídas não dialogarem com aquelas que já existem. Estas atividades foram importantes para sensibilizar os estudantes para a componente paisagística e para a relação entre ecologia e saúde urbana.
O objetivo era compreender como se podem criar infraestruturas que contribuam para ambientes urbanos mais saudáveis.
Promovemos também a partilha de resultados e experiências com estudantes internacionais provenientes de Itália, do Chipre e da Sérvia, que visitaram o Iscte.
A equipa deste projeto envolvia diversas áreas do saber, como a Antropologia, Arquitetura, Medicina, Urbanismo e Engenharia do Ambiente.
Que resultados do projeto destacam?
RC O resultado mais evidente é a página online que disponibiliza todos os recursos em acesso aberto. Em termos de divulgação pública, atuámos sobretudo nos eventos da Ciência Viva.
Resultou também do projeto um caderno de encargos que reúne as recolhas realizadas no Bairro São João de Brito pelos estudantes e que contou com a participação da Antropóloga Ana Catarino. O documento foi entregue à Associação de Moradores.
O Bairro São João de Brito é de génese ilegal e, portanto, era prioritário que a Câmara de Lisboa resolvesse questões relacionadas com infraestruturas, águas e esgotos, o que já aconteceu graças ao projeto. Adicionalmente, a Biblioteca dos Coruchéus já tinha um projeto de recolha de histórias de vida, mas não tinha conseguido estabelecer uma ligação com os moradores. O projeto Cli-CC.HE possibilitou essa ligação, um avanço que se reveste de uma grande importância social.
Em termos de impacto societal, este foi um projeto focado nas pessoas, principalmente nas que estão a ser formadas em planeamento urbano e áreas afins, no sentido de perceber como atuar para que as cidades sejam mais saudáveis e sustentáveis.