Investigador CEI-Iscte
Qual é o objetivo principal dos projetos que estão em curso em torno de práticas desportivas online?
Tanto o projeto e-Health – Supporting eSports players towards an active and healthy lifestyle como o G-risks – “Gamblification” of sport and new generations: tendencies, addictions, social harms, and risks for integrity of sports estão relacionados com o tema da integridade no desporto.
O e-Health é a consequência de um projeto Erasmus Mundus Design Measure que desenvolvemos no ano passado, a partir do qual surgiu uma proposta para criar um Mestrado europeu sobre Educação e Empregabilidade para a indústria dos eSports e, também, submeter para financiamento um projeto Erasmus+ Sport sobre o tema, que veio a concretizar-se.
O G-risks é um projeto exploratório financiado pela FCT que tem como objetivo mapear as práticas de apostas em jovens universitários e atletas e entender como a normalização das apostas desportivas tem influenciado o consumo e a prática de desportos online.
Porque é que este tema despertou o seu interesse?
O negócio dos eSports é hoje uma indústria multimilionária e é também um polo de emprego para jovens. Muitas regiões do mundo estão a tirar grande partido desta indústria – a Coreia do Sul, a Arábia Saudita, por exemplo, são países que investem muito na organização de competições globais.
A Comissão Europeia organizou um debate sobre este tema, onde foi reconhecida a importância de promover a indústria dos eSports na Europa, tendo sido criada a oportunidade para a criação de um polo tecnológico. Esta indústria está a criar muito emprego para as novas gerações e prevê-se que continue a criar, justamente quando há um problema de desemprego jovem a nível europeu.
No entanto, este tipo de emprego gera estilos de vida particulares nos jovens, associados ao sedentarismo e a comportamentos aditivos, a que se soma a questão do doping como forma de aumentar a sua resistência e concentração nas competições. Este problema é ampliado pelo facto de, nestes desportos, já haver apostas.
Percebemos então que estávamos perante uma janela de oportunidade para replicarmos trabalhos que já temos feito na área dos desportos tradicionais, mas agora no contexto dos eSports.
Como está formado o consórcio do projeto e-Health?
A equipa é liderada pela K.E.A Fair Play Code da Grécia e reúne parceiros de Portugal (Iscte), da Alemanha (a eSports Research Network e a Universidade de Leipzig) e da Bélgica (a Federação Belga de eSports, BESF).
No Iscte, estes projetos estão integrados na linha de investigação ligada à saúde?
Sim. Somos uma Universidade que está a investir na saúde societal, de que é exemplo o Iscte Saúde. Não temos medicina, mas as ciências sociais, as humanidades e a psicologia social podem dar bons contributos.
Este é, pois, um projeto também relacionado com a área da saúde. Na mesma linha, começou em fevereiro o outro projeto que também estou a coordenar: o G-risk. Esse projeto está a ser desenvolvido por uma equipa multidisciplinar do Iscte que inclui o César de Cima, doutorado em Sociologia, e os psicólogos sociais Miguel Ramos e Sibila Marques, do CIS-Iscte. Esta iniciativa demostra a cooperação que pode surgir das dinâmicas próprias do Iscte, em que investigadores de áreas muitas diferentes partilham gabinete, conversam, trocam ideias e publicam em conjunto.
O G-risk tem como objeto de estudo os jovens?
O G-risk estuda as práticas de apostas desportivas nos jovens. Estamos a falar dos Millennials ou da Geração Z, ou seja, dos que nasceram nos finais dos anos 1990, início da primeira década deste século e que, aos 18, 19 ou 20 anos, começam a ser desportistas profissionais através dos videojogos. A realidade para estas gerações é a ligação entre o desporto e as apostas. Este é o fenómeno do conceito de gamblificação. Este conceito indica que é praticamente impossível consumir desporto sem, ao mesmo tempo, receber incentivos para apostar, incluindo publicidade. Isto passa-se há anos nos desportos tradicionais.
Qual a metodologia de investigação aplicada?
Vamos fazer uma análise exploratória eventualmente a partir de um inquérito, de entrevistas e focus group a dois clusters – estudantes universitários e atletas jovens (18 a 25 anos) – para entender como funciona a dinâmica entre apostas e desporto. As apostas estão tão normalizadas que o fenómeno já suscita questões sobre os seus danos sociais.
Como vão investigar essa relação?
Tendo por referência a gamblificação, estruturámos a investigação em torno de três questões.
A primeira parte da constatação de que o interesse e a forma como os jovens consomem desporto tem vindo a mudar. Os jovens, ao verem um jogo de futebol, não deixam de fazer outras coisas em simultâneo: estão ao telefone, ou consomem os highlights no YouTube e, em 15 minutos, veem um jogo inteiro; não têm a paciência para ver o jogo do início ao fim sentados. As apostas são um incentivo, uma maneira de mediar esse consumo desportivo.
A segunda questão está relacionada com a normalização das apostas, através de jovens influencers e pessoas reconhecidas publicamente. A própria publicidade a apostas é perversa: basicamente diz “se tu sabes de desporto, vais ganhar dinheiro, podes ter bónus. Regista-te e ganha 200 euros”. Este aliciamento faz com que a quantidade de pessoas que apostam aumente e, apesar de faltarem estudos, podemos admitir que, eventualmente, há hoje mais jogo problemático, patológico e que leva a um quadro de adição.
E a terceira hipótese considera que tudo isto cria áreas de risco ou perigos para a integridade das competições desportivas. No desporto aposta-se em tudo, incluindo no desempenho de pessoas que sabem que são alvo dessas apostas. Assim, fica a porta aberta para ganhos repartidos com as apostas, através do compromisso de vitórias, o que aumenta os riscos de violação da integridade desportiva.
Há entidades reguladoras para este tipo de desportos?
A governança neste tipo de desportos não está tão bem definida como nos desportos tradicionais, onde existem entidades como o Comité Olímpico, ou, no caso do futebol, a FIFA e a UEFA.
Nos desportos eletrónicos, sendo um grande mercado, colocam-se naturalmente questões de interesse económico. Por outro lado, não existe um quadro legal aplicável, uma vez que o direito desportivo nem sempre consegue adaptar-se às questões particulares dos desportos eletrónicos.
Há campeonatos organizados por empresas ou marcas, outros por associações, mas a indústria que produz os jogos está também ligada à atividade. Há uma questão prévia que se coloca muitas vezes, que se prende com a necessidade de perceber se estas atividades de competição eletrónica, sedentárias, podem ser consideradas desporto.
Dentro do que se denomina eSports há um leque muito diverso de jogos. Alguns disputam-se a partir de armas que disparam, outros têm que ver com a prática eletrónica de desportos tradicionais.
No Comité Olímpico, está atualmente em discussão saber se os desportos tradicionais podem ser jogados de forma eletrónica, apesar de já haver algum consenso quanto a não considerar como desporto um jogo de luta, no qual as pessoas disparam e se matam. Estas são discussões ontológicas e há, portanto, muito ainda por debater.
Como surge o projeto de Mestrado nesta área?
Ao desenvolvermos investigação sobre o desporto tradicional, o alargamento aos desportos eletrónicos surge naturalmente. Passou também a ser tema de debate dentro do Comité Olímpico Português e percebeu-se haver uma janela de oportunidade para o tema ser investigado e ter financiamento.
O projeto que já terminou é um European Joint Master Degree on Education and Employability for eSports Industry, destinado a criar um Erasmus Mundus para os eSports. Trata-se de um projeto conjunto do Iscte com a Universidade de Leipzig e parceiros da Grécia. Isto demonstra o interesse que há em financiar projetos nesta área, que têm que ver justamente com e-Health, ou seja, procurar estilos de vida saudáveis para os atletas do eSports.
Trata-se de um tema que levanta muitas questões. Há já investigação científica na área do marketing, tecnologia de criação e desenvolvimento de software, e muito pouco na área das ciências sociais sobre eSports.
Surgiu assim, naturalmente, o projeto para um Erasmus Mundus sobre a Indústria dos eSports, empregabilidade e educação?
Sim. É mais um resultado destes projetos de investigação e da colaboração entre investigadores. Oliver Leis, um postdoc jovem de Leipzig, adora gaming e trabalha estas questões. Da Grécia, contamos com Vassilis Barkoukis, professor catedrático, especialista em doping.
O Mestrado foi apresentado e esperamos que os resultados saiam ao longo deste ano de 2025. Se for aprovado, iniciar-se-á no ano letivo de 2026/2027. Será um Erasmus Mundus e os estudantes farão um semestre em cada país: primeiro na Grécia, depois na Alemanha, depois será no Iscte e o quarto semestre é livre para o mestrando fazer a tese onde quiser.