Professor Iscte Business School
Investigador BRU-Iscte
O que é o turismo industrial sustentável, tema central do projeto SMITour?
O turismo industrial utiliza a nossa herança industrial para criar um produto turístico comercializável. Essa herança pode incluir antigas fábricas ou espaços industriais convertidos em atrações turísticas. Este é o conceito base, embora alguns autores incluam também a “indústria viva”, ou seja, empresas em funcionamento que recebem turistas interessados em observar processos industriais ou de inovação. O projeto SMITour adota essa visão ampliada, incluindo tanto empresas ativas como museus ou espaços de património industrial.
Em Portugal, existem bons exemplos de turismo industrial, como a fábrica de lápis Viarco e algumas conserveiras de peixe que permitem visitas enquanto operam. Há um cluster em São João da Madeira, que inclui empresas de têxteis e calçado, entre outras, que também já é possível conhecer. Outros exemplos emblemáticos dessa herança industrial inativa incluem o Museu da Eletricidade, em Lisboa, e o Museu da Água com as suas fantásticas visitas à Mãe D’Água. Neste tipo de turismo também se incluem as minas desativadas no Alentejo.
Qual é o contributo do projeto para o setor do turismo?
Na bacia do Mediterrâneo, esta forma de turismo ainda é pouco explorada, quer em termos de boas práticas, quer na incorporação de tecnologia para enriquecer a experiência do visitante. O projeto passa por dar a conhecer as boas práticas do ponto de vista da experiência em si, mas também da integração da tecnologia, procurando oferecer uma experiência mais imersiva e memorável ao turista.
A maioria dos destinos turísticos está à procura de novas formas de dispersar os turistas. O turismo industrial pode ajudar, evitando aglomerações em locais icónicos, como o Mosteiro dos Jerónimos. Ao atrairmos estes turistas para instalações industriais, estamos a distribuí-los por espaços menos visitados e a criar segmentos de mercado interessados nessas experiências.
Como se desencadeia essa abordagem inovadora?
Como em qualquer museu, podemos incluir realidade aumentada, realidade virtual e robótica para melhorar a experiência do turista, aumentando a sua satisfação e o seu interesse. Uma experiência mais imersiva! A aplicação dessas ferramentas também pode atingir públicos que, de outra forma, não visitariam os locais, como já ocorre com visitas virtuais a museus no Egito, por exemplo. Embora as visitas não sejam rentáveis de imediato, essas inovações despertam interesse, curiosidade e incentivam a visitas presenciais.
Como foi formada a parceria internacional?
O SMITour é liderado pelo município de Prato, em Itália, que organizou a candidatura e selecionou os participantes. Conseguiram reunir, de facto, a maioria dos países da bacia do Mediterrâneo elegíveis: Itália, Portugal, Espanha, Grécia, Eslovénia e Croácia.
Como surge o envolvimento do Iscte no projeto e qual o seu papel?
O Iscte tem uma história consolidada na área e foi convidado para participar, contando com a minha colaboração e da professora Maria José Sousa. A nossa responsabilidade é o work package 1, que envolve a análise do estado da arte e as boas práticas no turismo industrial.
Realizámos um inquérito nos seis países participantes, com base numa amostra de entidades que já promovem o turismo industrial.
Analisámos os dados estatísticos e qualitativos sobre as iniciativas existentes, que permitirão definir uma melhor promoção e uma abordagem mais integrada no turismo industrial. Contamos com o envolvimento de parceiros que vão desde as autarquias, o Governo, o setor hoteleiro e os próprios sites sobre o turismo industrial.
Percebemos que a comunidade de Prato, uma pequena cidade satélite e industrial de Florença que atrai os turistas pela sua história, monumentalidade e herança, já está a fazer um esforço enorme para captar um segmento específico de turistas que valorizam as práticas e a herança industrial. E estão bastante avançados: têm já um mapa com as unidades industriais visitáveis, uma App, um cartão e rotas integradas. Em Espanha, na Catalunha, já existe um organismo oficial para promover em exclusivo o turismo industrial. Estão muito avançados nesse campo. Já nós, os gregos, os eslovenos e os croatas, funcionamos de forma menos estruturada.
O projeto SMITour (SMart Industrial Tourism in the Mediterranean) é financiado pelo programa Interreg Euro-MED através do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional e cofinanciado pelo Fundo Rotativo Nacional para a implementação das políticas da UE.
O Interreg é um programa de fundos específicos para o sul da Europa, que procura a cooperação transfronteiriça.
Em que ponto está Portugal no desenvolvimento do turismo industrial?
Há apenas uma rede informal do Turismo de Portugal (o nome já diz tudo) que pretende promover e estruturar este produto turístico. Desta rede constam mais de 200 empresas ou entidades que oferecem experiências de turismo industrial, mas nem todas disponibilizam informação no seu website sobre a existência das visitas. Este acaba por não ser um produto conhecido e disponível ao turista.
Qual é o perfil do público do turismo industrial?
São pessoas com mais escolaridade, têm um interesse particular em determinadas técnicas de produção, gostam de saber como se faziam os têxteis ou as conservas, conhecer a herança industrial dos países. E há também o interesse por parte das escolas e outras entidades de ensino na realização destas visitas.
Esta área do turismo industrial pode interessar ao turista habitual de Lisboa?
Geralmente, não são os mesmos turistas. O tempo médio de permanência dos turistas em Lisboa é de 2,1 dias, o que torna improvável que gastem esse tempo com turismo industrial, a menos que tenham um interesse específico. O turista industrial é mais focado, semelhante ao público do birdwatching ou do enoturismo. Estes não têm interesse no turismo comercial.
O projeto surge pela necessidade de diversificar o turismo?
Digamos que pode ser uma estratégia para tornar o turismo mais sustentável. Muitas áreas industriais da região de Lisboa, como o Barreiro, Montijo e Setúbal, estão pouco exploradas turisticamente. Se essas regiões oferecerem experiências interessantes, poderão atrair visitantes que pernoitam e ficam para almoçar, beneficiando a economia local.
A grande questão atual é como lidar com a superlotação turística em Lisboa sem prejudicar um setor que representa 20% da economia nacional e cerca de 40% dos empregos na capital. Não se trata de limitar o turismo, mas de o promover de forma mais qualificada. O turismo industrial é uma ferramenta para descentralizar o fluxo turístico, evitando a sobrelotação em pontos icónicos.
Quais são os resultados esperados do projeto?
Pretendemos desenvolver roadmaps adaptados às diferentes entidades. Se for um município terá uma estrutura, mas se for uma empresa a abordagem será outra. A ideia é criar um conjunto de caminhos que as entidades possam aplicar permitindo-lhes, assim, abraçar o turismo industrial estruturado e profissional.
O projeto proporcionará a consolidação da rede nacional de turismo industrial?
Sim. O Turismo de Portugal é nosso parceiro no projeto e esperamos trabalhar com eles para que a rede evolua de informal para algo mais formal. Porém, este desenvolvimento também depende de recursos que poderão existir ou não.
O norte da Europa, a Alemanha, Espanha e Itália já trabalham muito bem esta área do turismo. Estamos a falar de cidades que não são conhecidas e que a única forma de se afirmarem no mercado turístico, face a grandes destinos como Paris ou Londres, é desenvolverem um segmento específico e que valoriza este tipo de turismo mais contemporâneo, artístico e criativo.